SÃO PAULO – Ao que tudo indica, 2022 será mais um ano perdido para o comércio exterior do Brasil. Não bastasse a exclusão do Reporto do programa de estímulos à navegação de cabotagem intitulado BR do Mar, que deverá represar pelo menos R$ 2 bilhões em investimentos privados no reaparelhamento e ampliação das infraestruturas portuária e ferroviária, o governo da França, que assumiu neste ano a presidência rotativa da União Europeia (UE), já deixou claro que vai defender regras comerciais que possam justificar barreiras contra produtos estrangeiros que tenham algum tipo de relacionamento com o desmatamento de florestas nativas.
Ou seja, diante das notícias que têm circulado com intensidade em veículos de comunicação da Europa sobre a falta de controle que se vê no Brasil em relação à destruição de matas, está claro que esse é um recado indireto ao atual governo brasileiro. Portanto, a conclusão do acordo Mercosul-UE ficará para 2023 ou para uma data mais adiante, dependendo também do governo que sairá das urnas do Brasil ao final deste ano.
É de se lembrar que, em 2019, ao início do atual mandato presidencial, houve a conclusão daquele tratado, depois de 20 anos de negociações, em grande parte infrutíferas. E que, desde então, o acordo para entrar em vigor passou a depender da aprovação pelos parlamentos dos 27 países que formam o bloco europeu. Mas, a partir do aumento das taxas de desmatamento no Brasil, o governo francês saiu na frente em defesa da paralisia do processo de ratificação do acordo.
Para piorar, o atual presidente francês, Emmanuel Macron, que já trocou farpas pessoais com o mandatário brasileiro, precisa defender uma agenda ambiental que inclui uma velada proteção aos agricultores franceses contra a concorrência estrangeira, para se sair bem em eleições previstas para os próximos meses, o que induz à paralisação de negociações com o governo brasileiro, o principal sócio do Mercosul. Só depois disso é que, provavelmente, a agenda para a assinatura do acordo Mercosul-UE poderá ser reaberta.
Isso está claro na proposta que o governo francês encaminhou recentemente aos demais países da UE em que o Mercosul e muito menos o Brasil estão citados. Na proposta, lê-se que, entre as prioridades sugeridas, estão o continente africano e a região Indo-Pacífico – que inclui Indonésia, Japão, Laos e ilhas Maldivas –, bem como Turquia, Balcãs e os países vizinhos ao Sul do Mediterrâneo, neste caso em razão da questão migratória.
Na mesma proposta, há a defesa da criação de barreiras que impeçam a entrada na Europa de produtos que tenham sido colhidos em áreas recentemente desmatadas, sob a alegação de que esses produtos possam contrariar os padrões de produção aplicados na UE, o que poderá prejudicar a exportação de commodities agrícolas pelo Brasil.
Obviamente, este será um ano de desafios para a diplomacia brasileira, que aposta numa mudança de rumo, se Macron vencer as eleições presidenciais, em abril, com um abrandamento nas exigências que pretende colocar em prática na agenda da UE. Mas, de qualquer modo, tudo isso levará tempo e inclui também a possível eleição no Brasil de um governante mais aberto ao diálogo e que possa atender a algumas reivindicações do bloco europeu. Caso contrário, o acordo Mercosul-UE acabará caindo nas calendas gregas, ou seja, ficaria para uma data muito distante ou para um tempo que nunca haverá de vir.
Liana Lourenço Martinelli, advogada, pós-graduada em Gestão de Negócios e Comércio Internacional, é gerente de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG) do Grupo Fiorde, constituído pelas empresas Fiorde Logística Internacional, FTA Transportes e Armazéns Gerais e Barter Comércio Internacional. E-mail: lianalourenco@fiorde.com.br. Site: fiorde.com.br
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