SÃO PAULO – Uma das consequências dessa imprevista guerra declarada à Ucrânia é que as sanções impostas à Rússia pelos países que fazem parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Europeia (UE), especialmente Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha, podem inviabilizar a concessão de cartas de crédito a exportadores e importadores, prejudicando sobremaneira o comércio exterior. Afinal, sem a concessão de cartas de crédito tanto as empresas brasileiras como as russas perdem a segurança para fazer suas operações.
Isso se dá porque, a exemplo do que ocorreu no passado, quando as instituições financeiras do Irã foram suspensas da rede Swift a pedido dos Estados Unidos, o mesmo ocorre agora em relação à Rússia, cujos bancos foram removidos do sistema depois da invasão à Ucrânia. O Swift, diga-se logo, constitui um sistema de mensagens que foi desenvolvido na década de 1970 para substituir a antiga dependência que havia em relação às máquinas de telex e que tornou padronizadas as mensagens entre os bancos sobre transferências de valores entre si, transferências de valores para clientes e ordens de compra e venda de ativos.
Leva esse nome porque é a sigla de Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias), entidade fundada em 1973, em Bruxelas, por 239 bancos de 15 países com o objetivo de padronizar transações financeiras internacionais. Hoje, mais de 11 mil instituições financeiras usam o sistema em mais de 200 países. Portanto, ficar de fora desse circuito equivale a ser excluído do planeta.
Em outras palavras: se esse sistema de pagamentos passa a não funcionar, fica inviável fazer operações comerciais com empresas russas. E até mesmo cargas que já foram embarcadas podem ficar retidas mais tempo nos portos brasileiros até que a empresa importadora consiga fazer o dinheiro chegar ao exportador na Rússia.
Embora a Rússia responda por apenas 0,6% do total de vendas de produtos brasileiros ao exterior, o problema maior reside na importação pelo Brasil de adubos e fertilizantes. Basta ver que, em 2021, esse tipo de produto representou 62% das compras feitas pelo País na Rússia, alcançando a cifra de US$3,5 bilhões, com um aumento de 98% em comparação com os valores de 2020. Como grande produtor do agronegócio, o Brasil depende de fertilizantes da Rússia e da Ucrânia e não dispõe de mercado alternativo, por enquanto.
Mais: o desabastecimento de fertilizantes e outros insumos pode provocar desequilíbrio, com disparada nos preços dos alimentos, do petróleo e do gás natural, como já está ocorrendo. Além disso, sem fertilizantes, o agronegócio tem a produtividade afetada e haverá menos produtos para exportar para todos os países. Como mais de 60% de tudo o que é transportado no Brasil dependem de combustíveis fósseis, o País deve ser um dos mais afetados indiretamente por essa guerra.
Por outro lado, se o governo brasileiro se alinhar com aquelas nações que defendem sanções contra a Rússia, colocará por terra todo o esforço desenvolvido nos últimos tempos para abrir o mercado russo para os produtos brasileiros. A não ser que esse comércio com a Rússia passe a ser feito com a intermediação da China, o que não é de se admirar, pois, antes dos Jogos Olímpicos de Inverno, o presidente Vladimir Putin manteve conversações com o seu homólogo chinês.
Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, em 2021, o Brasil comprou da Rússia produtos no total de US$5,7 bilhões, registrando um aumento de 107%, se comparado com os valores de 2020, quando as compras chegaram a US$2,7 bilhões. E a expectativa, antes da crise entre Rússia e Ucrânia, era que esse valor viesse a dobrar também neste ano.
Já as compras russas de produtos brasileiros, em 2021, alcançaram a soma de US$1,6 bilhão, o que inclui soja, carne de aves, café, amendoim, açúcar de cana e equipamentos como pás mecânicas, escavadoras, pás carregadoras, cilindros compressores e outros. Com isso, a Rússia ocupa a 36ª colocação no ranking das exportações brasileiras. E os esforços feitos até aqui por empresários e pelo Itamaraty previam a ampliação das vendas de produtos nacionais para aquele país.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizado em 2021, a aproximação econômica entre Brasil e Rússia poderia ampliar em US$261 milhões o fluxo das exportações nacionais para o mercado russo, com um aumento de 17%. Obviamente, diante da guerra Rússia-Ucrânia, essa previsão está comprometida. Seja como for, o que se espera é que essa crise seja logo superada e o comércio exterior, de modo geral, não venha a ser tão afetado.
Liana Lourenço Martinelli, advogada, pós-graduada em Gestão de Negócios e Comércio Internacional, é gerente de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG) do Grupo Fiorde, constituído pelas empresas Fiorde Logística Internacional, FTA Transportes e Armazéns Gerais e Barter Comércio Internacional. E-mail: lianalourenco@fiorde.com.br. Site: fiorde.com.br
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